Rio Gallegos à Ushuaia - continuação

 

satisfeito, a chegada até aqui, com uma deliciosa cerveja “Polar” de 1 litro.  Na terceira tentativa, consegui vaga no modesto hotel, quase no fim da cidade. A nossa surpresa de estarem cheios os hotéis de alguma cidadezinha, tão longínqua, é logo

explicada pelo fato de ser um final de semana e nem nos darmos conta. Sempre tem um casamento ou uma festa. 

O hotel não poderia ter sido melhor, nem tanto pelas acomodações, e muito mais pela hospitalidade. Fui recebido por todos como um saudoso amigo que depois de muito tempo, retornara. Todos não, um americano  que viajava de moto desde a América do Norte.j azia desmaiado na cama ao lado da minha, no último quarto que restava.  Cansado que estava, não pude comemorar até muito tarde com meus novos amigos.

         Pela manhã, a dona do hotel, uma senhora que lembrava muito minha saudosa mãe, pelo cuidado e carinho, encheu minha mesa de bolos, pães, leite, bolachas, frios, geléias e frutas. Dizia, num castelhano muito rápido, que era para eu ficar forte. Na hora de partir, ainda me trouxe em enorme pão feito por ela. Ganhei também dos amigos um autêntico vinho chileno e uma cerveja Polar. Do dono, um Gatorade.  Acrescentei ainda na minha “bagagem”, a certeza de que nunca esqueceria tanta hospitalidade daqueles gentis chilenos fueguinos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

         Acabou o asfalto, agora começa a preocupante estrada de “rípio” até a cidade   argentina San Sebastian, uns 120 km à  frente.  Pessoas que foram de carro para o Ushuaia, inclusive no Brasil, falavam da terrível poeira e das pedras atiradas para os lados devido a velocidade dos carros. Reparei lá em Rio Gallegos que o ônibus para  Ushuaia tinha o seu pára-brisas protegido das pedras por uma espécie de alambrado ... 

        Tinha três caminhos alternativos para se chegar na estrada de direção favorável ao fortíssimo vento oeste, que liga Onaissim a San Sebastian : uma ia pelo litoral, outra pela planície -  muito vento lateral –  e outra que seguia por um vale cercado de montanhas – com algumas subidas. Depois de várias consultas , sem consenso, optei pela última e felizmente, o vento era mais fraco devido à proteção das montanhas e as subidas não tão íngremes como algumas pessoas falaram.  Estrada muito batida, quase não havia poeira, devido as constantes chuvas, fracas e rápidas. Quanto às pedras, quando uma leva de carros vinha, trazidos pela balsa do Estreito de Magalhães, gesticulava para diminuirem a velocidade e felizmente, quase todos me atendiam.  Paisagem exuberante e selvagem, dava-me a impressão que os antigos habitantes do lugar, os índios Onas e Yamanas, ainda estavam por aqui, apenas caçando e logo voltariam. O curioso é que a cada 15 Km havia um abrigo para os viajantes: uma casinha com fogão a lenha, uma mesinha e até um beliche, claro, sem os colchões. De vez em quando, uma bela estância repleta de ovelhas.

         Lá pelas 13 h., enquanto me abastecia e  refrescava com a água cristalina que descia das montanhas, uma picape Toyota vinha em alta velocidade e apenas acenei para diminuir, mas o motorista parou. Ofereceu carona até a estrada com o vento a favor, uns 20 km à frente. Foi minha sorte, pois alguns quilômetros adiante, acabou o vale e o vento vinha à toda força.  

        Quando chegamos no cruzamento, ao descer a bice da picape, a violência eólica levou uma luva e a touca ivanhoé, que só fui perceber 20 km adiante. Fiquei aborrecido, mas não podia voltar e procurar. O vento soprava tão forte, a favor,  que fiz os últimos 60 km sem muito esforço, mas prestando muita atenção nas pedras e nos veículos.  Existem duas cidades com o mesmo nome de San Sebastian, uma chilena e outra argentina , distantes uns 15 km. Haja burocracia nas duas aduanas...

        De um modo geral, não foi tão difícil o trecho de 120 km de rípio – de todo o percurso da Ruta 3 - , e pelas minhas contas, cheguei à noitinha em San Sebastian  argentina com um dia de antecedência.  Muito satisfeito, liguei para minha querida que já estava em Rio Grande há uns três dias.  Sem vaga no único hotel, dormi no alojamento, felizmente com calefação, da aduana argentina. Às 4 da manhã chegou uma família, um casal e duas crianças, que pelos semblantes, provavelmente com problemas de imigração. Senti compaixão. Divido meus pães e  suco, mas devia ter dado algum dinheiro.  A minha situação não era das melhores: cansado, empoeirado e ainda perdi o horário da ducha oferecida pela repartição.  Só que era voluntária, estava de férias, e eles...?

      

Tierra Mayor

     RELATO DA VIAGEM - Final     

       Saí às 5 da manhã tentando fugir do vento até Rio Grande. Na estrada, uma hora de escuridão até amanhecer, apenas minha pequena lanterna iluminando o asfalto. Vou tentando enxergar a faixa do centro da pista, evitando assim, os buracos do acostamento e com os ouvidos bem atentos. O frio castigava e as pontas dos pés doíam muito, mas ia a plena velocidade enquanto o vento, soberano das paisagens infinitas, não vinha. O sol surgia lentamente por entre as nuvens alaranjadas num amanhecer de encher os olhos mas não queria parar nem para tirar fotos.

       Assim, bem mais rápido do que imaginava, cheguei na tão sonhada Rio Grande, onde o meu amor me esperava. Sentia uma dolorida, mas gratificante saudade, afinal depois de tanto esforço e superação, seria premiado novamente em demorado e reconfortante abraço. Mais de dezesseis anos se passaram, mas passeávamos pela cidade, que ficará marcada para sempre em nossas lembranças, como dois namorados apaixonados, com aquele semblante meio “bobo”... A casa que nos foi cedida pelo Roberto e Mirta, que conhecemos em Comodoro Rivadavia, era muito aconchegante e estava a nossa disposição para mais alguns dias de passeios pela bem cuidada cidade de canteiros floridos nas avenidas, mas o destino final ainda estava a 230 km dali: Bahia Lapataia, o fim do mundo. Reunimos coragem suficiente e partimos com menos bagagem numa manhã de muito frio e garoa.  Nosso destino hoje era Tolhuin, a 110 km.

       Foi um dia tranqüilo de vento levemente a favor, apesar do frio e da garoa. Belas paisagens, muitos bosques com suas folhas

(uns três edifícios Itália, em São Paulo), cujo

topo  é um local chamado Paso Garibaldi,  mirante para o lago. Vindo em direção contrária, encontramos um cicloviajante de Israel. 

       Cansados e com a noite chegando , trazendo muito frio, conseguimos um local para dormir numa estação de inverno que parecia sair dos filmes de contos de fadas, tamanha era a beleza do lugar. Um vale de vegetação rasteira colorida de tons verde, vermelho e marrom, a perder de vista, cercada de montanhas, algumas lembrando pirâmides, com seus altos picos cobertos de neve, chamado  Tierra Mayor.  Dormimos numa espécie de van com rodas de esteiras, que na alta temporada transportam os esquiadores para as elevações geladas. Também havia um canil com mais de 40 cães huskies,  puxadores de trenós, com vários filhotes, lindos e barulhentos.

Manantiales

No dia 26 de Fevereiro de 2007 ,  às 18 horas, chegamos em Ushuaia.  Quando estávamos diante do portal de boas vindas, que surgiu de repente, depois de uma curva,

parecendo longas rendas e, extenuados, chegamos às 8 da noite.

No dia seguinte conhecemos o deslumbrante Lago Fagnano, e da praia se via, ao fundo, as belas montanhas nevadas, onde a estrada para o Ushuaia atravessava. “Virgem    santa !!!”  ...  vamos ter que passar por lá ?       

Tudo estava indo muito bem, não fosse o capacete da Wilma ter sido, digamos, subtraído na porta de uma padaria.  Não nos deixamos abater e, pela manhã, num frio de  5´  C°, com uma touca bem quentinha, pedalamos em direção ao Ushuaia.  

       Desta vez tínhamos como “fantasma” uma subida de 9 km, que atingiria  um precipício de 370 metros acima do nível do Lago Escondido

não pudemos controlar e, abraçados, desabamos num emocionante e demorado choro, como quem acaba de superar a aventura de suas vidas... Um motociclista espanhol pára e tira uma foto do casal meio em êxtase e, como que num filme de alguns minutos, está revivendo todas as suas dificuldades e emoções dos 55 dias mais emocionantes de suas vidas.     

       Encharcados pela chuva “de boas vindas”, tremíamos de frio, mas nosso entusiasmo e alegria eram maiores e nos aqueciam o corpo , o coração e a alma. Ainda faltava chegar à Bahia Lapataia, onde se encerra a temida Ruta 3 e, no dia seguinte, 27 de Fevereiro de 2007, completamos mais de 3200 km de emoções, aventuras, coragem, determinação , superação e amor desde Buenos Aires até aqui.

Tierra Mayor

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    Continua...

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B.Aires-Ushuaia

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