Londrina à Buenos Aires
Era só um passatempo , pedalar de Congonhinhas à Nova Fátima - duas pequenas cidades no norte do estado do Paraná, distantes 14 Km , agora se torna a maior aventura de nossas vidas: pedalar de Buenos Aires à Ushuaia, a última cidade antes do Pólo Sul, mais de 3000 Km uma da outra. O que levar, quais cidades, distância entre elas, qual o custo médio diário estimado, como é o clima em janeiro de Buenos Aires a Comodoro Rivadavia e em fevereiro desta até Ushuaia, em quais trechos teremos que acampar, quais músicas gravar, quais roupas e agasalhos, peças sobressalentes, foram algumas das perguntas que levamos quase um ano para responder. Outra complicação é que no início iam quatro pessoas, mas algumas semanas antes, duas tiveram que desistir. De todas as preocupações, o vento - velocidade e a direção - sem dúvida foi a mais crítica. Claro que a água também preocupou muito devido aos enormes trechos sem cidades, Viedma e Las Grutas ficam separadas por um deserto de quase 180 Km, sem casas, árvores, apenas pequenos e rudes arbustos espinhosos. Como sempre, antes de cada viagem destas, as últimas semanas ficam uma corrida contra o tempo, a despeito dos muitos meses de planejamento e preparação. Enquanto o William, meu enteado, e o Max, meu cunhado, levavam as bikes para a Rodoviária, faltando 30 minutos |
e a Wilma, acenando, agora sozinhos dentro do ônibus que partia sem dar nenhuma chance de desistirmos de tamanha empreitada pela frente. Confesso que senti um friozinho na espinha. Partimos no dia 03 de Janeiro de 2007 às 22 horas para Foz do Iguaçu. No dia seguinte, às 13 horas, embarcamos para Buenos Aires chegando dia 05 às 10 horas. Durante o trajeto pudemos reviver e matar saudades dos lugares que passamos na viagem, também de bicicleta, que fizemos de Londrina até Viña Del Mar no Chile. |
para embarcarmos, o Nuno, outro enteado, devido à uma pane no programa, ainda estava gravando as últimas músicas no MP3, indispensável nestas viagens. Depois de um pequeno contratempo com o motorista que não queria embarcar as bicicletas, resolvido rapidamente pela ruidosa comitiva de despedida, lá estávamos nós: eu |
Buenos Aires à Cabildo
Dia 5 de Janeiro, das 10 às 15 horas, montamos as bikes e pesquisamos a melhor maneira de sair da bela metrópole e chegar em Cañuelas, distante 60 Km. Devido às perigosas e velozes autopistas e lugares ermos nos arredores onde poderíamos ser assaltados, fomos convencidos a ir num trem com vagões especiais para transporte de bicicletas da Estação Constitución, vinte quarteirões pela famosa Avenida 9 de Julho desde a Rodoviária, até Cañuelas. Dia 6, agora sim, começamos a pedalar pela ótima rodovia 55 e depois 205, plana, com acostamento e pouco movimentada em direção à Bahia Blanca, onde pegaríamos a Ruta 3 que nos levaria até Ushuaia. Aconselharam-nos a evitar a Ruta 3 nos primeiros 700 Km devido ao intenso tráfego de caminhões em direção às cidades litorâneas tendo em vista o período de férias. À tarde, chegamos em Roque Perez, onde o Sr. Pedro Irazábal, interrompendo o seu passeio vespertino, mostrou-nos a cidade, chamou seus filhos e nos preparou um autêntico churrasco argentino numa calorosa e agradável recepção. Primeira demonstração da hospitalidade argentina que não nos faltou em todo o trajeto. Passamos por Talpaque, a bela Azul, Olavarria e, próximo a Laprida, devido a uma tempestade que se formava a nossa frente, pedimos para montar a barraca na estância da gentil Criselda e |
pudemos desfrutar de rara hospitalidade. No dia seguinte, foram trabalhar e ficamos em sua casa como se fôssemos velhos conhecidos. Despedimo-nos comovidos pela amizade e confiança que nos foi creditada por estas duas grandes pessoas. |
família. À noite, choveu e ventou muito assustando-nos um pouco dentro da barraca, mas esta agüentou bem. Alguns quilômetros após Coronel Pringles, um gentil caminhoneiro ofereceu-nos carona e foi logo nos avisando dos perigos lá por Comodoro Rivadavia. Ainda descansados e até um pouco “esnobes”, preferimos seguir pedalando. Passamos por lindas pradarias que lembravam a região onde foi filmado “Dança com Lobos” e à noitinha chegamos em Cabildo, 50 km de Bahia Blanca. Não conseguimos vaga no único hotel, mas uma funcionária, Da. Cristina e seu marido, Sr. Daniel, oferecerem-nos sua casa e |
Cabildo à Puerto Madryn
Depois de dois dias tranqüilos na casa do casal Cristina e Daniel, aproveitando para novos ajustes nos alforjes e descansar, partimos em 14/01/07, rumo à Bahia Blanca. Ontem, domingo, soprou um vento sul tão forte que as árvores dobravam... Mas felizmente hoje, quando saímos, a manhã estava bem mais calma, tanto que ao meio dia já estávamos em Bahia Blanca. Agora sim pegamos a temida Ruta Nacional 3, que nos levaria à Bahia Lapataia – extremo sul da Patagônia, faltando 2300Km, com mais de 700 já percorridos. Para evitar o trânsito, típico das cidades grandes, resolvemos ir por uma marginal, contornando a cidade e a uns trinta quilômetros adiante, em Villarino, pernoitamos num aconchegante hotel à beira da estrada. Pela manhã, as placas anunciavam que finalmente estávamos entrando na região da Patagônia: as árvores começaram a rarear,alguns salares - lagoas quase secas e esbranquiçadas pelo depósito de sal -, a paisagem dominada pela vegetação baixa e o céu muito azul. Passamos por Umbucta, Tenente Origone, e por volta do meio dia chegamos em Mayor Buratovich. A idéia era almoçar aqui e dormir em Pedro Luro, 30 Km adiante, mas o dono do restaurante alertou-nos que lá tudo seria mais caro devido ao turismo religioso. Por uma diária de quarenta pesos, ficamos por um dia e meio em um confortável e silencioso chalé. Na tarde seguinte, uma senhora simpática, Mary, abordou-nos na rua dizendo que nos vira em |
a estrada, abrigados sob uma ponte, tivemos que esperar por duas horas até que o vento sul amenizasse e pudéssemos prosseguir para Sierra Grande, cidade tranqüila e que sentiremos saudade. Faltando 25 km para Puerto Madryn, levei uma queda muito feia, mas deu para seguirmos em frente. |
Bahia Blanca e nos ofereceu seu quarto de hóspedes, foi uma pena, já tínhamos pagado a diária, mas trocamos endereços, telefones e e-mails e nos despedimos agradecendo muito pelo convite. Quem sabe numa próxima vez... Seguindo viagem, deixamos para trás Pedro Luro, um lugarejo fundado pelo Índio Severino Namuncurá, tido como mito religioso, assim como a Defunta Correa e o Gauchito Gil, com milhares de seguidores. Passamos por Villalonga, muito calor, quase sem vento e muitas moscas no restaurante do posto de gasolina e às cinco horas da tarde o nosso destino do dia: Stroeder. Pacata cidade, bom hotelzinho e Na manhã do dia seguinte, atravessamos a estreita ponte do Rio Negro, deixando a bela Viedma para trás e a nossa frente o primeiro trecho de quase 200 km sem nada, nenhum lugarejo para pernoitar até Las Grutas e de frente para o temido vento leste que vem do Pacífico. a noite, o primeiro friozinho que deu um arrepio imaginando o que nos aguardava no extremo sul do continente. No dia seguinte, belas e inesperadas paisagens de trigo contrastavam com o azul intenso. Foram 80 Km meio tumultuados, pois a Wilma sofreu uma queda que preocupou muito, mas felizmente não atingiu o braço em recuperação de uma grave luxação na festa de fim de ano de 2006 em São Paulo e chegamos às quatro da tarde em Carmen de Patagones, uma linda cidadezinha, onde descansamos por um dia. Entrando no quarto do hotel o alforje que guardava filmadora escapou de minhas mãos, caiu dois metros de altura e rolou escada abaixo. Sempre confiante e nunca reclamando de nada, a Wilma avisou que a máquina nada sofrera. Levamos alimentos e 14 litros de água para dois dias e dormimos numa estância abandonada, um local que parecia aqueles dos antigos filmes de faroeste, cujo único morador , um gato mestiço de selvagem e que “batizamos” de Lúcio, miou a noite toda. Mas na hora de partimos, que pena, deixá-lo ali tão sozinho. Este trecho assustou: ficamos quase sem água e resolvemos tomar uns goles a cada 7 km para a sede não atacar de vez. Felizmente, o dia nublado e o vento ameno foram fundamentais para não piorar a situação. Ficamos 2 dias em Las Grutas, um badalado balneário, num camping lotado mas que felizmente não faltou água. De volta para |
RELATO DA VIAGEM |
Plaza Constitución - Bs.As. |
Viedma |
Las Grutas |
Tapalque |
A ferida na canela demorou para estancar, cheguei a pensar que nossa aventura tinha se encerrado, mas o médico recomendou apenas um repouso de 4 dias. Aproveitamos para conhecer toda a Península Valdes, de van, como turistas “normais”. Um lugar mágico, berço de guanacos, maras, nandus, pingüins, lobos e leões marinhos. Em tempo: conhecemos a linda família da Clara Oliva, sua mãe Dona Tereza, a doce Estefânia e irmãos, que nos acolheram em sua casa com tanto carinho e hospitalidade. |
Sabíamos que este trecho seria muito difícil, pois após Trelew não tínhamos certeza se haveria cidades para pernoite e abastecimento nos próximos 250km até Comodoro Rivadavia. Saindo de Trelew, na subida para o planalto, o trocador de marchas travou e a Wilma sofreu uma queda bem na frente de um caminhão, mas que felizmente vinha lentamente. Depois do susto e quase 10 km de subida , atingimos o planalto. Até chegar o vento, desenvolvemos boa velocidade, mas exaustos, não deu para chegarmos em Uzcudum e às 5 da tarde, encontramos um canteiro de obras abandonado e armamos a barraca atrás de um trailer, que um dia foi escritório, parcialmente queimado, mas que serviu para guardar as bices. Atrás de uns arbustos, encontrei carcaças velhas de enormes guanacos já sem cheiro. Cabeças de um lado... pernas de outro...achei melhor mostrar à Wilma somente pela manhã. Teria sido ataque dos temidos pumas? Tomara que seja obra do bicho-homem... No dia seguinte, atrapalhados pelo vento, conseguimos chegar em Uzcudum somente às 11 da noite com um dia de atraso. Este lugar, na verdade, era apenas um posto de combustível, com algumas casas ao redor. Não havia hospedagem, nem ducha, e tivemos que nos contentar em armar a barraca dentro do quintal do dono do posto. Encontrei uma torneira, no frio da meia-noite, e tratei de cuidar do ferimento na canela, devido à queda em Puerto Madryn. A Wilma já “desmaiara” no quentinho da barraca. Duas horas após acordar, abastecidos de água mineral bastante cara, mas justificável, pela localização no meio de um deserto de pequenos e rudes arbustos até Comodoro, partimos para mais 100 km até um lugarejo chamado Garayalde. Novamente o vento, o calor e o cansaço e chegamos às 9 da noite num outro posto de combustível, bem na entrada para Camarones - no litoral- , a 15 Km de Garayalde. Nada de |
Puerto Madryn |
Península Valdes |
Não avistamos nada e às 7 da noite decidimos acampar num local afastado da estrada, ermo, mas muito próximo dos sentidos, devido às lindas cores do horizonte e ao silêncio da noite que chegava muito fria e iluminada pela lua cheia. Algumas sacolas de plástico no chão (devidamente recolhidas depois) serviram-me de piso e com 2 litros de água mineral, tomei um refrescante e merecido banho, depois de longos quatro dias. Pela manhã, tranqüilos, vento norte, a favor, passamos pelas paredes derrubadas pelo vento, do lugar que chamavam Malaspina. Vinte e três quilômetros para chegar em Pampa de Salamanca, outro posto de combustível, fomos literalmente atacados pelo implacável vento oeste, aquele que vem do Pacífico, de uns 50 km por hora. Impedidos de continuar, pois mal dava para se equilibrar na bice e sendo carregados para o meio da ruta e ,antes que algum acidente acontecesse, desistimos e resolvemos pedir ajuda. Paramos na entrada de uma obra, uma picape entrando no portão da mesma , presenteou-nos com 12 garrafinhas de água meio tíbias (mornas), agradecemos muito porque já estávamos com
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pouca água. Finalmente um ônibus trazendo trabalhadores desta obra, um gasoduto, que também foram impedidos de trabalhar por causa do furioso vento agora já estava a uns 60 km/h, oferecem-nos a tão esperada carona. Gentis, vários deles desceram para nos ajudar a subir as bices e os muitos alforjes. Deram-nos refrigerantes, água e sanduíches e , depois de vários anos, experimentamos novamente uma Pepsi - Cola. Trocamos e-mails, filmamos e fotografamos aqueles bons momentos. Assim deixamos Pampa de Salamanca para trás, com uma pequena tristeza por não termos chegado até lá, mas felizes e agradecidos pelo calor humano daqueles gentis argentinos. O ônibus às vezes perdia velocidade pela fúria do vento e por três vezes, o motor quase fundira, obrigando o motorista a encher o radiador com garrafas e garrafas de água mineral, mais preciosa que o petróleo - principal riqueza da região, neste lugar que quase não conhece a chuva. Chegamos em Comodoro Rivadavia 50 km depois. |
hospedagem, nada de ducha... terceiro dia sem banho. A Wilma torcera o pé, e embora não reclamasse, eram visíveis seu cansaço e sua dor, e decidimos que tomaria um ônibus até Comodoro Rivadavia e eu seguiria sozinho. Chegamos em Garayalde às 10 da manhã e como não era uma cidade... Não havia condução. Então resolvemos continuar rumo à Malaspina, mais uns 70km.
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Estrada para Caleta Olívia |
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Trelew |
Comodoro R. à Puerto San Julián
Conhecida no país pelo alto custo de vida, esta cidade “respira” extração petrolífera e turismo. Cercada pelo deserto patagônico com imponentes montanhas esculpidas pelo vento, e banhada pelas águas frias do Atlântico Sul, nesta época, Fevereiro, possui intensa vida social, principalmente noturna. Como era de se esperar, em plena temporada, não havia uma vaga nos hotéis mais econômicos e só depois da Wilma insistir com a dona do Hotel Espanha, Sra. Tereza, que se mostrou um amor de pessoa, conseguimos um quarto que estava apenas com a dobradiça da porta quebrada, que foi prontamente consertada no dia seguinte. Para nós, que estávamos dormindo na barraca, (70km após Trelew, Uzcudum, Garayalde e Malaspina) e sem um banho decente, há quatro longos e calorentos dias, foi uma dádiva dos céus.
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Descansamos por dois dias e bem cedinho a despedida inevitável e triste que tanto queríamos evitar. Desde a última viagem Londrina/Chile, ano passado, que não nos separávamos. Vencidas as subidas e o vento forte na saída da cidade em direção à Rada Tilly, a estrada seguia o traçado do litoral. O vento ficou favorável, nas costas, e cheguei ao meio dia em Caleta Olívia, depois de paisagens deslumbrantes, de enormes acidentes geográficos esculpidos pelo vento, paredões impressionantes formados pela interrupção do planalto pelas águas do mar e longas e limpas praias desertas. A Wilma foi convencida com muito custo, a descansar por alguns dias e me encontrar em Puerto San Júlian, uns 500 km adiante.
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Gastamos algumas preciosas horas de descanso em frente ao computador, tentando enviar fotos para atualizar o nosso site que informava sobre o nosso trajeto. O site www.infoweather.com nos dava uma idéia do comportamento dos ventos. A mancha amarela no mapa indicando ventos de 50 km p/h, ou mais, passou a ser nosso “pesadelo diário”. Quatro tentativas depois, encontrei vaga no Hotel Capri, com o vento dobrando as árvores desde as quatro da tarde e continuando por toda a madrugada. Um senhor, empregado do hotel, disse-me que o vento forte vem às 9 da manhã e vai até as 9 da noite. À 5 da manhã, deixei a cidade com muita dificuldade, devido ao danado vento que já dera o ar da graça. Além disso, quase fui atacado por cães que surgiram do nada numa área mais escura e que, depois de uns berros, desapareceram.
Passei por belas paisagens caracterizada pelo movimento peculiar e ritmado das máquinas extratoras de petróleo, num fundo alaranjado pelo nascer do sol , contrastando com o prateado do oceano.
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Puerto Madryn à Comodoro Rivadavia |
Caleta Olívia |
Caminho para Fitz Roy |
B.Aires-Ushuaia |
B.Aires-Ushuaia |